Aumentaram os relatos de sintomas de dengue, zika e chikungunya nas unidades de saúde.
Dos 184 municípios pernambucanos, 36 atravessam um cenário de surto de arboviroses transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, vetor dos vírus causadores da dengue, zika e chikungunya.
Outros mais de 40 se encontram em situação de alerta, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), de acordo com o Índice de Infestação Predial do 2º ciclo do LIRAa (Levantamento de Índice Rápido do Aedes aegypti).
O intervalo entre as Semanas Epidemiológicas (SE) 1 e 26, que se estende de janeiro a junho, é considerado a época de sazonalidade das arboviroses. Ou seja, o período de maior incidência de casos. Isso acontece por serem meses de maior volume de chuva, mas também de temperaturas elevadas em grande parte do Brasil.
O cenário é ideal para a reprodução do Aedes aegypti, que deposita os ovos em áreas próximas à água e aproveita o calor para a eclosão dos ovos.
Isso não significa, porém, que a segunda metade do calendário esteja livre dessas doenças, até porque as questões ambientais têm refletido em oscilações climáticas. O mais indicado, mesmo, é evitar a formação de criadouros do mosquito transmissor, independente da época.
Números
O boletim epidemiológico de arboviroses da SES-PE aponta que, entre 3 janeiro e 15 de maio deste ano, houve aumento de 135,8% nos casos de chikungunya e de 61,8% nos casos de zika registrados no Estado em comparação com o mesmo período de 2020. Em contrapartida, as notificações de dengue caíram 28%.
Apesar do aumento reconhecido no fluxo de pacientes com sintomas sugestivos das doenças nas unidades de saúde do Estado nas últimas semanas, a gerente de arboviroses da SES-PE, Claudenice Pontes, ressalta que, neste momento, é difícil estabelecer comparativos com o ano passado.
Isso porque as notificações de 2020 ficaram comprometidas por conta do início da pandemia de Covid-19 em Pernambuco, em meados do mês de março.
"Antes da pandemia, a gente teve alguns municípios em situação epidêmica de dengue. Quando eu comparo a esse ano, podemos pensar em subnotificação por causa da Covid. Mas que está tendo um aumento é fato", diz ela.
Ttansmissão
Apenas as fêmeas do Aedes aegypti podem transmitir as arboviroses, por necessitarem de sangue humano para o amadurecimento dos ovos, que são depositados separadamente nas paredes internas de objetos próximos a superfícies de água - os machos se alimentam da seiva de plantas.
Ao picar uma pessoa doente, a fêmea do mosquito se infecta com o vírus e, depois disso, se torna vetor de transmissão. A viremia - período que uma pessoa tem o vírus circulando e pode infectar o mosquito - começa um dia antes do aparecimento dos sintomas e vai até o sexto dia.
Após picar um doente, o mosquito leva entre oito e 12 dias para começar a transmitir o vírus. E se manterá como transmissor até o final da sua vida, que tem duração estimada entre seis a oito semanas.
Uma pessoa saudável, ao ser picada por um mosquito infectado, pode levar de 3 até 15 dias para apresentar sintomas. Mas, em média, as manifestações começam a partir cinco dias.
Sintomas
Dengue
- Febre alta;
- Dor de cabeça;
- Dores no corpo;
- Fraqueza;
- Dor atrás dos olhos;
- Manchas vermelhas na pele, às vezes com coceira;
- Em quadros mais severos, pode haver ainda perda de peso, vômito, dor abdominal e sangramento de mucosas.
Chikungunya
- Febre;
- Fortes dores nas articulações, sobretudo punhos e tornozelos, além das mãos e pés;
- Fadiga;
- Náusea;
- Dor de cabeça;
- Erupções na pele;
- Conjuntivite.
Zika
- Das arboviroses, é a que menos tem presença de febre e, quando manifesta, é baixa;
- Em contrapartida, costuma “pintar” mais o corpo, além de fazer isso mais cedo, enquanto na dengue, em geral, as manchas aparecem mais na reta final da doença;
- Coceira;
- Dor de cabeça;
- Irritação nos olhos.
Sintomas eventuais da zika:
- Dores no corpo e na garganta;
- Tosse.
Tratamento
Não existem antivirais específicos para tratar dengue, zika e chikungunya, sendo o tratamento realizado a partir dos sintomas apresentados.
As medicações, contudo, devem ser administradas com supervisão médica, até porque algumas substâncias não são apropriadas para os casos de arboviroses e podem causar complicações.
"A gente recomenda muito líquido para ajudar a minimizar as formas graves. No caso da dengue, quando diminui a febre, podem aparecer alguns sinais de alarme, como vômitos, dores abdominais, pele fria e pegajosa, além de apatia. E aí tem que voltar à unidade de saúde”, pontua Claudenice Pontes.
"Principalmente as pessoas que têm comorbidade devem passar por avaliação clínica. Além disso, o caso só vai ser notificado se a pessoa procurar atendimento. E só assim o município vai ter conhecimento do que está ocorrendo em termos de cenário epidemiológico”, completa.
4 tipos de dengue
Você, provavelmente, deve conhecer alguém que já tenha dito “peguei dengue de novo”. Isso é possível porque existem quatro sorotipos diferentes de dengue.
Das arboviroses, a dengue é a que exige mais atenção, pois pode se transformar em um quadro de risco, necessitando até de transfusão de sangue e internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Os níveis da doença são classificados como dengue, dengue com sinais de alarme, quando o paciente apresenta dores ou vômitos, e dengue grave, quando há sangramentos.
"Tem estudos que demonstram que os sorotipos 2 e 3 podem ser mais agressivos, porém, o que faz a forma grave da dengue não é sorotipo em si, mas a forma como o organismo reage”, destaca Claudenice Pontes.
O médico infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Evônio Campelo alerta, também, para o fato de que crianças pequenas e idosos, assim como em outras doenças, são os grupos de maior risco.
Imunidade
Após o contato com o vírus da zika ou da chikungunya, a pessoa desenvolve anticorpos de defesa contra infecções futuras. No caso da dengue, quem teve contato com um dos sorotipos se torna imune ao mesmo, mas continua vulnerável aos demais. Evônio Campelo diz que, em geral, a segunda exposição ao vírus da dengue, independente do sorotipo, tende a ser mais agressiva.
Tem vacina?
Existe uma vacina contra a dengue em uso na rede privada, mas há uma série de ressalvas. A principal delas é que só quem já teve dengue pelo menos uma vez pode tomar.
Em pessoas que nunca tiveram contato com o vírus, ela pode causar algo como “amplificação da doença causada por anticorpos”, propiciando a apresentação de quadros graves em quem for infectado após receber o imunizante.
“Outra coisa é que ainda não se sabe qual a porcentagem de defesa. Seria algo em torno de 50%, o que ainda é pouco em termos de cobertura. Também não se sabe quantos sorotipos ela pega, já que são quatro”, ressalta Evônio Campelo.
Há, no entanto, um imunizante em processo de avaliação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele foi desenvolvido pela farmacêutica Takeda e apresentou mais de 80% de eficácia em seus testes clínicos, realizado ao longo dos últimos anos.
Ao contrário da vacina disponível no Brasil hoje, essa poderia ser usada por quem nunca teve a doença. Não há registros de imunizantes para a zika ou chikungunya.
Sequelas
A chikungunya não recebeu esse nome à toa. No idioma africano maconde, a palavra significa “inclinou-se e contorceu-se de dor”, fazendo referência à reação dos enfermos quando acometidos pelo vírus.
"Costuma ser a arbovirose que mais tempo afasta a pessoa das atividades por conta das dores nas articulações. É, por vezes, debilitante, de forma que a pessoa não consegue nem segurar uma caneta”, destaca Evônio Campelo.
Segundo ele, a maioria dos pacientes se recupera completamente, mas, em alguns casos, as dores nas articulações podem persistir por meses, ou até mesmo anos. É o caso da professora aposentada Regina Pires, de 66 anos.
"Tive chikungunya em fevereiro de 2016 e levei um tempo para me recuperar. Foram muitas dores articulares, além de inchaço nos pés e tornozelos. Cheguei a usar andador por alguns meses. É uma dor que você pensa que não vai mais andar. Depois de uns seis meses, comecei a melhorar, mas a recuperação total é demorada", recorda ela, que fez tratamento com um reumatologista e chegou a tomar duas injeções de corticoide para ajudar na reabilitação.
A dengue, embora seja mais agressiva em seu período agudo, não costuma deixar sequelas posteriores. Com quadros comumente mais leves entre as arboviroses, a zika representa um risco maior para as mulheres grávidas, pelo perigo de má formação fetal.
Em algumas áreas onde houve registro de surto de zika, nos últimos anos, foi observado também um aumento de casos da síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune que acontece em decorrência de alguma infecção.
O vírus da zika pode comprometer o funcionamento do sistema imune e do sistema nervoso, resultando no aparecimento dos sintomas característicos da síndrome.
Mas é importante destacar que a Guillain-Barré pode acontecer também a partir da dengue, da chikungunya, do sarampo, entre outras infecções.
Coinfecção é possível?
Sim. Embora raro, uma pessoa pode ser infectada por mais de um vírus de uma única vez. Essa possibilidade foi estudada há alguns anos por pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Segundo eles, áreas em situação de surto têm uma predisposição maior a esses casos, dada a circulação sustentada dos vírus. Na pesquisa, ficou comprovado que, se estiver contaminado com mais de um vírus, o Aedes aegypti pode os transmitir simultaneamente em uma única picada.
Diagnóstico
Muito falado por conta da pandemia do coronavírus Sars-CoV, o teste do tipo PCR, ou teste molecular, também ajuda no diagnóstico mais preciso das arboviroses. Ele deve ser feito, de preferência, até o quinto dia do início dos sintomas e avaliará a presença ativa do vírus.
Existe, também, a possibilidade de fazer exames sorológicos. Após o sexto dia de sintomas, é possível identificar a infecção através do IgM, anticorpo de defesa presente no organismo que tem doença ativa.
Passada a fase aguda, em torno de dez dias, o exame mais indicado é o IgG, que avalia a presença de anticorpos em organismos que tiveram uma infecção.
Inimigo dentro de casa
Muita gente se prende aos reservatórios maiores, como caixas d’água, piscinas, toneis, entre outros reservatórios que, se não tampados adequadamente podem, de fato, se tornar criadouro do Aedes aegypti.
É tanto que Claudenice Pontes frisa que a maioria dos criadouros está nas residências, sobretudo naquelas em áreas onde há deficiência no abastecimento de água e as famílias precisam armazenar.
No entanto, o risco também pode estar em pequenos objetos que, por vezes, passam despercebidos. E isso vai além dos constantemente falados vasos de plantas com pratos.
Calhas entupidas, baldes expostos em áreas externas e bandejas de ar-condicionado são outros exemplos. Existem, ainda, modelos de geladeira que acumulam água atrás, assim como geláguas que deixam água empoçada na área onde se coloca o copo.
Outro destaque vai para as vasilhas dos animais domésticos, que devem ser higienizadas e não apenas ter a água renovada. "A vistoria tem que ser diária. Mas a limpeza de manutenção dos possíveis criadouros pode ser uma vez por semana”, diz Claudenice.
Ciclo de reprodução
O Aedes aegypti passa por quatro etapas até chegar à forma de mosquito: ovo, larva, pupa e forma adulta. O tempo de duração desse ciclo varia de acordo com a temperatura, oferta de alimentos e quantidade de larvas existentes no mesmo criadouro.
Os ovos são bem pequenos (cerca de 0,4 mm) e brancos, difíceis de serem observados. Mas não demora para escurecem e se tornarem pretos e brilhantes.
Aproximadamente 15 horas após serem depositados, adquirem capacidade de resistir a longos períodos de baixa umidade. Podem ficar até 450 dias no seco.
Essa resistência possibilita que sobrevivam por até um ano, enquanto aguardam novamente o clima chuvoso e quente que favorece a eclosão e formação de nova larvas.
Denúncia
Caso observe possíveis focos de reprodução do mosquito Aedes aegypti, você deve procurar o órgão municipal responsável pela fiscalização, que, geralmente, são as equipes de vigilância em saúde ou a ouvidoria da gestão local.
Fonte: Folha de Pernambuco