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sábado, 15 de maio de 2021

Uma linda história de uma realidade da vida cotidiana: A trajetória de uma personalidade simbólica ― por Clécio Dias



Usava um capacete para andar a pé, um cigarro de palha (“pacaia”) na boca para dar uns tragos e um olhar distante, muito distante de nós… Foi assim que há cerca de quarenta anos, o misterioso Luiz (conhecido por Zé Leitão) apareceu do nada na Rua Luíza Mendes, no bairro Nova Santa Cruz.

Apaixonado pela vida na rua, fez da rua sua casa, forrou um pano velho e fez das calçadas sua cama, como “quem ‘derruba’ o teto para ganhar as estrelas”.

Antes de Santa Cruz, ele vivia pelas ruas de Caruaru e possivelmente veio morar aqui porque um tio seu, chamado Mariano, antes de morrer, pediu a uma filha, chamada Irene (prima de Zé Leitão), que sempre cuidasse de Luiz, até o fim da vida, e Irene veio morar numa casa que fica na mesma rua, mas Luiz não aceitou o convite de morar na casa, pois a rua era sua vida… 
 
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Quarenta anos atrás, foi levado para o Hospital da Tamarineira, em Recife (Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambuco), mas, para ele, o hospital era uma prisão insuportável e por ser muito valente, batia nos outros pacientes, por isso foi convidado a se retirar da instituição de saúde. Como ninguém foi buscá-lo, ele saiu sozinho de Recife, a pé, talvez usando um capacete e fumando um velho “pacaia” e chegou novamente em Caruaru.

Nunca gostou de documentos, acredita-se nunca teve. Seu nascimento é um mistério, seu sobrenome também é, seus pais, sua infância, seu gosto pela vida nas ruas, tudo é cinzento, quase não se sabe.



Dizem os mais velhos que ele nasceu em setembro de 1939, no Sítio Reinado, em Caruaru. Se foi registrado, ninguém sabe onde. Se tinha um sobrenome, ninguém sabe qual foi, o que se sabe é que todos os fatos da sua vida são envoltos em mistério.

Pouco habituado ao banho, quando a noite chegava, uma calçada, ao ar livre, era o local ideal para um sono sem preocupação.

Há alguns anos, enquanto comia alguns restos de comida que ganhou de alguém, dois cachorros, ou seja, Branco e Xôla, se aproximaram dele e se tornaram seus grandes amigos, pois Zé Leitão dividiu com os cachorros a comida que tinha na marmita e a solidão foi expulsa da sua vida.

Adotou, talvez sem compreender, o antigo ditado popular: É melhor ter um cachorro amigo do que um amigo cachorro. Branco e Xôla passaram a receber um tratamento especial de Luiz, “comendo no mesmo prato, dormindo na mesma cama”. Cada prato de comida que ganhava dividia em três partes: um terço para cada um: Branco, Xôla e Zé Leitão, como há dois mil anos Jesus pregava no deserto…


Sem nome, sem casa, sem dinheiro, perambulava pelas ruas à margem da sociedade. Enquanto alguns o ignoravam e até jogavam pedras nele, os cachorros e ele dividiam a comida, se defendiam juntos e enquanto Luiz dormia, Ai de quem fosse atrapalhar seu sono! Enquanto a maioria o desprezava achando que ele não valia nada, os cachorros e ele não paravam de dar lições: dividindo comida, dormindo juntos, sendo leais, amigos, sem preconceito…

Se fosse seu contemporâneo, acredito que o advogado norte-americano, George Graham Vest, inspirou-se em Zé Leitão quando atuava num processo da morte do cão Old Drum, em que disse: “O único amigo desinteressado que um homem pode ter neste mundo egoísta, aquele que nunca o abandona, o único que nunca mostra ingratidão ou traição, é o seu cachorro.”

Zé Leitão teve (ou tem) a graça de ter dois!

Mas, meses atrás, o apaixonado pelas ruas teve que abandonar, contra vontade, a rua, as calçadas e seus dois grandes amigos: Branco e Xôla! Idoso, com cerca de oitenta e um anos, não consegue mais andar. Foi encontrado caído e foi levado às pressas para a UPA, onde passou três dias internado.

Tantos anos atrás, antes de morrer, seu tio Mariano previu esse dia e pediu a sua filha Irene para cuidar de Luiz! E assim aconteceu: Irene, sua prima, o acolheu em sua casa, na Rua Tomé de Souza, n° 992, Bairro Nova Santa Cruz e vem cuidando de Zé Leitão!


Esses dias, ele pôs a mão na testa dela e disse: “Tu é um anjo da guarda!” Ela chorou, chorou muito e nos olhos dele também escorreram lágrimas…

O cães (Branco e Xôla) perambulam pelas ruas sem ele, mas não ficam distantes da casa n° 992, onde está o velho amigo. Eles andam, mas no cair da tarde, voltam. Penso que quando fugiu do Hospital da Tamarineira há quarenta anos ele leu ou ouviu o filósofo Bernard Williams, quando disse: “Não há nenhum psiquiatra no mundo como um cachorro lambendo seu rosto.”

Zé Leitão não perdeu a Rua Luíza Mendes, pois a Rua Luíza Mendes é que o perdeu. Hoje, Irene, cumpre, com lealdade, o pedido do pai, e cuida com muitas dificuldades do velho Primo.

Mas, por mais se diga, sua vida é sempre envolta em mistérios e seus dois cachorros, sua prima Irene e ele escrevem uma linda história de amor, de lealdade, de amizade que nos emociona muito, pois é raro, isso é muito raro nos dias atuais.

Santa Cruz do Capibaribe, 13 de maio de 2021.

Texto escrito por Clécio Dias.

Notas:
A foto de Zé Leitão, em preto e branco, foi tirada pela fotógrafa Matiara Menezes.

Irene precisa de fraldas geriátricas e de alimentos, é uma pessoa simples e precisa de ajuda. Quem puder ajudar, pode se dirigir no seguinte endereço: Rua Tomé de Souza, n° 992, Bairro Nova Santa Cruz.

Especula-se que Zé Leitão tenha hoje 81 anos, mas os fatos da sua vida são sempre escassos de informação. 


Fonte Blog do Bruno Muniz

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