Ao recusar um posto no ministério da presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula produziu um raro momento de grandeza na cena política brasileira. Lula considera indigno de sua história buscar, no foro privilegiado, o salvo-conduto contra as arbitrariedades da hora. Virar ministro seria criar um constrangimento para o governo e para a presidenta. E isso Lula não fará jamais. É assim que se comporta um líder, que não precisa de cargos para exercer a política e dispensa refúgio para a dignidade afrontada.
Na plena vigência do estado de direito, Lula não teria nada a temer. Não cometeu nenhum crime, antes, durante ou depois de governar o País. Sua atividade como palestrante é o resultado da projeção internacional que conquistou. Recolhe impostos pelo que ganha licitamente. Não faz lobby, consultoria nem intermediação de negócios. O Instituto Lula não recebe dinheiro público, nem direta nem indiretamente. Mas, e daí?
No ambiente de terror policial insuflado pela oposição e pela mídia, Lula tornou-se alvo de toda sorte de violência. Agentes do terror lançaram uma bomba na sede do Instituto Lula. Agentes do Estado, que deveriam estar submetidos à Lei e à hierarquia, quebraram ilegalmente o sigilo bancário do ex-presidente e de um de seus filhos. As pegadas sujas do crime estão nas páginas de uma revista sórdida esta semana. Quebraram o sigilo de suas comunicações e, ao invés de denunciá-la, parte da imprensa associou-se à meganha bandida.
Há fortes motivos para crer que o próximo passo seja submeter Lula aos métodos parajudiciais da República de Curitiba: o mandado cego de busca; a condução coercitiva para mero depoimento; a prisão "preventiva" pela simples razão de que o sujeito está solto. Os vazamentos seletivos dos últimos dias desmoralizaram as negativas formais do juiz e dos promotores da Lava Jato: Lula é, sim, o alvo cobiçado da operação. Não para ser processado, pois não há acusação contra ele, mas para ser humilhado diante das câmeras.
No estado de exceção a que se encontra sujeita uma parte do País, ninguém poderia negar razão a Lula caso aceitasse a oferta solidária e leal da presidenta Dilma. Ministro, ele estaria a salvo das arbitrariedades da primeira instância e do terror policial-midiático. Mas Lula não é um ex-presidente qualquer – e nisso é preciso concordar, por razões opostas, com o autor original da frase: Merval Pereira.
O imortal do Globo sustenta que Lula não pode ser tratado como um cidadão de pleno direito, porque continua sendo um líder muito influente cinco anos depois de ter deixado o Planalto. Trapaça da história: o promotor que denunciou Lula na LSN por um discurso contra a ditadura, em 1980, também sustentou que a ameaça à segurança nacional não estava exatamente nas palavras do metalúrgico, mas na influência que ele exercia sobre as plateias.
De volta ao imortal: Lula não pode fazer palestras para empresas contratadas pelo governo (Merval talvez ignore que seu patrão, o Infoglobo, que tem contratos milionários com o governo, já contratou palestra de Lula). O Instituto Lula não pode receber doações empresariais (só o Instituto FHC pode, e pode até receber doação da estatal tucana Sabesp). Lula não pode encontrar governantes estrangeiros (embora seja o brasileiro mais respeitado ao redor do mundo). E, se isso fosse possível, Lula não poderia fazer política.
Este raciocínio autoritário, parcial e preconceituoso sustenta as torpezas cometidas contra Lula (e contra a verdade) pelos veículos e colunistas amestrados sob influência do sublacerdismo tosco e tardio que emana da rua Irineu Marinho. É o que explica as manchetes mentirosas atribuindo a Lula a propriedade de um apartamento que ele não tem, os "voos sigilosos" (em aviões invisíveis?), as "reuniões secretas" (em auditórios públicos, com cobertura da imprensa), os telegramas oficiais grosseiramente manipulados para virar notícia.
Lula é atacado justamente por ser o mais influente líder popular que o Brasil já conheceu. E por ser o maior obstáculo ao projeto regressista e conversador que, frustrada a aventura golpista, por suas contradições políticas e econômicas, precisa eliminar a liderança de Lula antes das eleições de 2018. A Pax Marinho, que ninguém se engane, é um movimento das elites econômicas para garantir a estabilidade necessária ao ambiente de negócios. Não é um pacto para preservar Dilma. E muito menos, para preservar Lula.
O que preserva Lula é sua liderança, sua coerência e seu caráter. Ao recusar o ministério, Lula promoveu um magnífico contraste com personagens políticos, institucionais e midiáticos nesta que é a mais rebaixada quadra da disputa política desde a redemocratização. Enquanto alguns ousam sequestrar instituições, para salvar a pele ou perseguir adversários, e outros se omitem de suas responsabilidades republicanas, por covardia ou conveniência, Lula decidiu simplesmente portar-se com dignidade.
A recusa de Lula é um gesto fundamentalmente moral. É corajoso, porque arrosta a arbitrariedade, e desprendido, porque preserva a presidenta. É mais uma lição do ex-retirante, ex-engraxate, ex-metalúrgico, ex-sindicalista para a educação política desta e de outras gerações. Isso é incompreensível para os abutres que tentam medi-lo pela régua de seu próprio e mesquinho caráter. Lula não é mesmo um ex-presidente qualquer. Lula é um líder.
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